quarta-feira, 2 de julho de 2014

História e memória na sala de aula


Salve pessoas. Tô meio sumido, mas com as férias escolares, fim de semestre do doutorado e copa do mundo, tenho deixado o blog parado. Em meio à escrita dos trabalhos finais das minhas duas disciplinas, venho despejar um pouco das ideias que me povoam no momento, tentando refletir sobre a prática da sala de aula.
Em primeiro lugar, história e memória são duas coisas bem diferentes... mas isso todo mundo sabe. Ou não? A questão é: onde está a diferença? Na epistemologia? Na fenomenologia? Na sua constituição como saber? Ou no modo do seu uso? Ou no quão próxima de alguma verdade está?
Vamos por partes... a memória não é o que aconteceu. Nada mais é "aquilo que já foi". Mas ela representa o que aconteceu ao mesmo tempo que evoca. E existem jeitos de lembrar, técnicas, costumes, práticas.. uma historicidade da memória, práticas históricas de memória. A memória é construída nas histórias, com histórias, entre histórias. Além disso, lembrar algo é sempre esquecer algos. Portanto, a memória é uma forma problemática de referir-se ao passado. Mesmo assim, para os gregos Mnemosine, a memória, era mãe das musas, inclusive de Clio, musa da história. 
A história é um discurso problemático sobre o passado. Um discurso que também tem pretensões científicas. Com isso, parece cômodo dizer que a história é a crítica da memória, mesmo que não seja uma tarefa fácil. A operação historiográfica se afirma como ciência por sobre a memória, reduzindo-a normalmente a um objeto, quando alguns propõem que devesse se relacionar com ela, como fez com a literatura ao perceber-se novamente como uma narrativa.
Mas a memória é um saber? Tem ela uma prática disciplinar, um conjunto orientado de regras, um saber-fazer próprio?
E a sala de aula? Pois o que os estudantes sabem, as concepção espontâneas que trazem consigo para a experiência escolar, não são conceitos históricos na concepção científica mais metódica, definidos pela sua delimitação e aplicabilidade acadêmica. São parâmetros móveis em suas memórias. São aprendizagens que operacionalizam o entendimento das coisas. Conceitos e receptáculos: conceptáculos é o termo do Mafessoli se não me engano. Em sala de aula, o que o estudante sabe de história está totalmente imbrincado em sua memória. Pensar historicamente principia como pensar imerso em memórias. As temporalidades passado, presente e futuro existem como vivências cotidianas, em geral, familiares.
Muitos professores não levam isso em consideração ao simplesmente buscar transpor um conceito científico de história sobre tempo, passado ou até história. Antes de cientificizar o que temos diante de nós, talvez nos caiba o exercício de perceber, interpretar, compreender o que temos diante de nós antes de avançar. O saber, a memória do educando é mais que uma fonte, ela é um indicativo de como trabalhar, ela afeta não só o que, mas o como. Assim, antes de ser científica para com a memória, garantir nosso ganha-pão ou exaltar entidades talvez caiba à história deixar-se envolver pelos meandros da memória, não para perder-se, mas para melhor se (des)encontrar.
Não estou descartando aqui a necessidade de orientação ou de objetividade, cientificidade ou qualquer outra idade... isto tem seu momento. A história é um discurso que por suas pretensões subjetivas de objetividade permite operacionalizar a memória com vias a constituição de uma narrativa significativa sobre o passado. Significativa em quaisquer níveis pretendidos: pessoais, familiares, nacionais, globais, interpessoais, alienativos e por aí vai. Uma representação aceitável para historiadores, cientistas, pares e ímpares.
A memória é mais que um campo interdisciplinar para as sementes alheias ou uma atividade natural de nossas sinapses. Relembrar é viver. E viver é relembrar. A mais vaga ideia que me povoa é uma memória. E eu historicizo cada passo do meu rememorar. Entre os fazeres da memória, os educandos podem encontrar bons usos para as percepções, interpretações e compreensões históricas dos fenômenos.